“A verdadeira vida está ausente. Mas nós estamos no mundo. A metafísica surge e mantém-se neste álibi. Está voltada para o outro lado, para o doutro modo, para o Outro”
Ao meu querido e doce amor,
“A verdadeira vida está ausente. Mas nós estamos no
mundo. A metafísica surge e mantém-se neste álibi. Está voltada para o outro
lado, para o doutro modo, para o Outro”.
Emanuel Lévinas, Totalidade e
infinito
Queria começar não com as minhas próprias palavras. E
aquelas que digo e penso como minhas, serão realmente minhas? A palavra, a
linguagem e a língua, assim como a vida, nunca são propriedade do Eu, mas do
Outro. Do Outros as recebemos e a Outros as legaremos. Foi precisamente por
isso que escolhi Emanuel Lévinas para dar início a esta carta de amor. É
gigantesca e de generoso amor a forma como este filósofo judeu dá início ao seu
livro Totalidade e Infinito, com a qual abro esta carta; fá-lo com
a afirmação de que “a verdadeira vida está ausente”. E de facto está. E está
porque a verdadeira vida é sempre dom do Outro. Mas, “nós – refere – estamos no
mundo”. E realmente estamos. E estamos em situação de abertura radical ao
Outro, pois é dele que recebemos essa vida que dizemos nossa assim como é dele
recebemos o amor que nos abre ao caminho da felicidade.
Costumo pensar, ainda que o refira muito poucas vezes,
que tudo o que é bom e maravilhoso na vida é um “quase” impossível. Contudo, a
vida está cheia da realização destes “aparentemente” impossíveis. Na verdade,
as nossas existências já são elas, por si mesmas, a realização de um “quase”
impossível que se esta realizando no tempo e de braços abertos ao Outro.
E o nosso amor será um daqueles “quase” impossíveis
que se realizará eternamente no tempo? A resposta é simples: sim é e seguirá
sendo, sempre e quando não nos esquecermos daquilo que significa o verdadeiro e
sincero amor.
E o que é um amor verdadeiro e sincero? É um amor que
se centra no outro, que coloca o amado em primeiro lugar. Esta é, aliás, a raiz
de todo o pensamento judaico-cristão que considera que a maior prova de amor
consiste em dar a vida pelos amigos. Mas o que acontece muitas vezes e de
muitos modos é que tendemos a inverter a ordem natural das coisas, considerando
Outro não como um fim em si mesmo, mas como um meio para conseguir a nossa
própria felicidade. E assim o amor se esvazia em puro egoísmo. E a felicidade
não se realiza por falta da sua própria essência ou substancia: o Outro.
Que fazer, então, para sermos felizes? Simples:
amar-nos com amor generoso. Amar de tal forma que o Outro surja sempre em
primeiro lugar. Ser feliz, pois, consiste em fazer o Outro feliz. Se colocar
toda a minha felicidade em fazer-te feliz, serei eterna e infinitamente feliz
contigo.
Se fossemos as duas únicas pessoas no mundo que se
amassem com um amor verdadeiramente generoso, com este amor que pensa sempre no
amado, seríamos o único espelho do reino de Deus aqui na terra.
Segundo a cosmogonia grega dois são os princípios
fundamentais do Universo: ocosmos e o caos. O cosmos significa
a ordem e o caos a desordem. De igual modo, estão as nossas
existências humanas estrutucturalmente fundadas pelo princípio docosmos, mas
constantemente ameaçadas pelo principio do caos, que estende
as suas franjas até à essência mesma das nossas existências. Como vencer o caos que
nos ameaça constantemente? Amar-nos generosamente como Jesus Cristo nos amou.
Quando o caos sobrevém e tende a dissolver o amor que nos une
a culpa geralmente não está no Outro, mas sim nesse amor mesquinhamente egoísta
que quer o Outro à sua imagem e semelhança. E se quando esse caos que
nos ameaça tendêssemos a olhar para o fundo de nós mesmos e perguntássemos o
que temos ou não temos feito para que essa noite escura nos arrebate a
felicidade?
Quero amar-te sempre e sempre generosamente com amor
caritativo que ama sem pedir nada em troca. Quero amar-te tal como és e tentar
fazer-te feliz. Se fores comigo a mulher mais feliz do mundo eu serei contigo
igualmente o homem mais feliz do mundo.
Para ti envio-te, pois, todo o meu coração e todo o meu ser. Com amor e
amor que quer ser generoso, quero ser eterna e infinitamente teu.
Com carinho,
PS.: Perguntaste-me o que necessito para ser feliz. Creio que a resposta é
simples: amar-te generosamente. Se te amar deste modo serei eterna e
infinitamente feliz contigo. Que devo fazer para que isso aconteça? Creio que a
resposta é também ela igualmente simples: ser um céu de amor, ternura,
aconchego e calor.
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